Mal lá cheguei, o Sr. Gaspar, provavelmente por ter ouvido os meus passos, saiu de casa e veio cumprimentar-me.
- Belo dia, amigo Pedro! Sim... - disse, vagarosa e simpaticamente, já com o seu cachimbo fumegante.
- Bom dia, Sr. Gaspar! Estimo muito em vê-lo. - respondi. - Vim aqui buscar...
- Uma encomenda de dez quilos de nozes, sim. - interrompeu. - A Dona Amélia Mitra deixou-as cá ontem, ao fim da tarde.
Enquanto conversávamos, um esquilo-vermelho esgueirou-se, sem que eu me apercebesse, para dentro da cesta, atraído pelo aroma das nozes. Fez um pouco de esforço para entrar, pois a tampa era de molas e requeria algum empenho, pelo menos por parte de uma pequena criatura, para ser aberta.
O esquilo-vermelho guardou uma noz em cada bochecha, outra na parte da frente da boca e outra, ainda, nas mãos, o que o impediu de sair com a mesma facilidade com que havia entrado. E, como a conversa com o Sr. Gaspar foi breve, peguei na cesta com o descuidado roedor ainda lá dentro.
- Tenha um óptimo dia, Sr. Gaspar! Obrigado pelas suas palavras.
- Um óptimo dia para ti também. Oh, é verdade, Pedro: há uma grande hipótese de que, agora, leves mais do que dez quilos aí. - disse sorrindo, antes de voltar a entrar em sua casa.
Claro que, no início, achei estranho o que a vetusta tartaruga havia dito, mas continuei caminho, pois, para além de saber que o Sr. Gaspar era um ser enigmático, eu estava cheio de pressa.
Durante a atribulada viagem pelo caminho de paralelos até chegar à Grande Cidade, as nozes chocalhavam dentro da cesta e o pobre esquilo-vermelho rodopiava lá dentro, apavorado, sem saber o que fazer. Teve, na verdade, de suportar a fastidiosa viagem durante umas boas horas.
No entanto, quando finalmente cheguei à Grande Cidade, dirigi-me à casa de quem era suposto entregar a cesta com nozes, mas, antes de entregá-las, decidi espreitar o conteúdo, apenas por uma questão de zelo.
"Vvvuch!", saltou o roedor da cesta para fora, qual relâmpago farfalhudo. Aterrorizado pela viagem e, depois, pela multidão da Grande Cidade, escapuliu-se sem que eu o conseguisse agarrar.
- Eu não posso crer! Aquele era o Sr. Nogado-Nogueira! Deve ter entrado na cesta, sem eu dar por ele, quando estive na Floresta do Palacete. O que faço eu agora? Não o vejo em lado nenhum...
Entretanto, o Sr. Nogado-Nogueira, ao avistar um pequeno parque com algumas árvores, no meio da cinzenta metrópole, correu o quanto pôde até lá chegar. Subiu agilmente a mais alta das árvores e enfiou-se no primeiro buraco que encontrou. Estava ofegante, com o coração na garganta e as orelhas aos tremeliques.
Quando finalmente se conseguiu acalmar, olhou à sua volta. A cavidade onde se encontrava era escura, húmida, desarrumada, suja, cheia de latas enferrujadas, cascas dos mais variados frutos secos já em decomposição, pedaços de vidro e tufos de pêlo castanho-avermelhado.
O Sr. Nogado-Nogueira estava absolutamente enojado com aquela "casa", mas o medo de sair e enfrentar a azafama humana era superior e, por isso, deixou-se ficar.
De repente, começou a ouvir fugazes arranhões, que ascendiam, no lado de fora da árvore, assim como quem a sobe com a ajuda de garras. Era outro esquilo! O Sr. Urbanita Bigodes, proprietário da descomposta cavidade, gordo e desgrenhado.
- Ei! Esta casa é minha! Faça o favor de sair, seu palerma! Andor! - disse o Sr. Urbanita Bigodes, com a felpuda cauda a sacudir-se nervosamente.
- Desculpe, desculpe! Mas eu estou perdido. Vim aqui parar por acidente. Por favor, não me mande embora daqui! Tenho tanto medo da azafama exterior...
- Não é de cá? Da Grande Cidade?
- Não, não. Sou da Floresta do Palacete.
O Sr. Urbanita Bigodes aproximou-se.
- A sério? - calaram-se os dois por uns segundos. - Olhe, eu chamo-me Urbanita Bigodes. Já ouvi falar dessa tal Floresta do Palacete, deve ser magnífica. As minhas desculpas pela primeira impressão que lhe causei, Sr...
- Nogado-Nogueira. Mas pode tratar-me apenas por Nogado.
- Muito bem. Sabe, Nogado? Aqui, na Grande Cidade, o espaço para seres como nós é bastante reduzido, e eu pensei que fosse mais um daqueles esquilos impertinentes que tentam, diariamente, usurpar-me a casa.
- Eu percebo, Sr. Urbanita Bigodes.
- De qualquer forma, viver aqui é óptimo! Há comida deliciosa todos os dias, não é preciso andar muito para se fazer o que quer que seja...
- Então, e os pássaros? E as belas flores que abrem depois do orvalho matinal? As ribeiras com água fresca, os pinheiros, os carvalhos, os silvados com amoras?...
- Isso são frutos, não são? - interrompeu.
- Sim! E que maravilhosos que são! Onde têm o arvoredo e as clareiras com folhas e ervas secas para se fazer a cama de lavado a cada semana? E cogumelos, têm?
- Não, Nogado. Aqui não há nada disso. Há pão todos os dias, bolos e bolinhos, biscoitos, bolachas, amendoins e coisinhas reluzentes que eu gosto de coleccionar. Encontro isso tudo naquelas grandes latas metálicas. - o Sr. Urbanita Bigodes referia-se aos caixotes do lixo, mas o Sr. Nogado-Nogueira desconhecia a maior parte dos resíduos que lá eram despejados. Para além disso, o cheiro não lhe agradava nada, nem mesmo o do Sr. Urbanita Bigodes.
O esquilo-vermelho citadino ofereceu-se para proporcionar uma visita guiada, pela Grande Cidade, ao Sr. Nogado-Nogueira, o qual, com alguma reticência - embora muito bem disfarçada -, acabou por aceitar.
O ruído da metrópole era intenso: as pessoas, as buzinas, as máquinas. Os fumos faziam o pobre Nogado tossir, havia gatos e armadilhas por todo o lado, o chão era sujo e havia mais edifícios do que espaços verdes. Efectivamente, o Sr. Nogado-Nogueira não se estava a habituar. Começara-se a sentir doente e pediu, gentilmente, ao Sr. Urbanita Bigodes que lhe desse uma solução para regressar ao seu lar.
- Bem... Todas as segundas-feiras, à porta daquela casinha em tijolo, no meio daqueles grandes edifícios - ia apontando -, chega uma cesta com nozes da Floresta do Palacete que, no mesmo dia, regressa para de onde veio. No entanto, Nogado, permita-me que lhe diga que, na minha opinião, parece-me bastante tedioso viver nessa tal floresta. Tem a certeza que não prefere ficar aqui?
O Sr. Nogado-Nogueira voltou a lobrigar a imunda casa do Sr. Urbanita Bigodes.
- É muito amável da sua parte o convite que me faz, mas prefiro mesmo voltar para a Floresta do Palacete. - explicou, sabendo que só ele sabia a razão pela qual reprovava categoricamente viver na Grande Cidade.
O desafortunado esquilo teve, no entanto, que esperar mais uma semana até que a cesta de verga chegasse. Mas, quando finalmente chegou, apressou-se em meter-se lá dentro.
O Sr. Urbanita Bigodes teve a consideração suficiente de acompanhar o seu congénere até à cesta e, antes de partir, o educado Sr. Nogado-Nogueira convidou-o para, quando quisesse, ir fazer-lhe uma visita a sua casa, na Floresta do Palacete, onde lanchariam bolo caseiro de bolotas com compota de amoras, acompanhando-os com uma quente infusão de camomila e mel.
Não duvido que o esquilo citadino algum dia apareça lá. Afinal, o convite pareceu-me deliciosamente irrecusável, mas, para ser honesto, ainda não consegui prever o que achará ele do "mundo" do Sr. Nogado-Nogueira.
Texto e Ilustração por Pedro Pinho e Suárez (Sciurus vulgaris, esquilo-vermelho).
Mais uma vez, maravilhoso! ❤️
ResponderEliminarMuito obrigado!
EliminarFantástico. Obrigada Pedro.
ResponderEliminarMuito bom!
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