Contos de Prach'a

Aventurem-se no idear de sensações e procurem, enquanto lêem este conto, recostados e confortáveis, encontrar nas vossas memórias, recentes ou remotas, o som de água doce a correr. Esvaindo-se por um regato ou uma aguaça, lembrar-vos-á uma festividade líquida infinda, quase pianística, que nos transporta para o virginal mundo das pequenas criaturas verdes, delicadas e humedecidas, como os musgos, as rãs que coaxam, os fetos e os tritões que bailam magicamente dentro de água. Esta, que também vem da chuva, por evaporação das superfícies oceânicas e marítimas, ou da fusão das massas geladas que dormem nos pólos e nos cumes orogénicos deste colossal planeta, ou até das complexas entranhas do globo onde vivemos, na imagem de poços e nascentes, é, naturalmente, a bebida mais consumida mundialmente. Faz parte da constituição de tudo o que é e está vivo e, anulando o incontestável facto de estar visível e presente em sumos, refrigerantes, gasosas, vinhos e outras bebidas alcoólicas, bem como no leite pasteurizado que agora bebemos e não devíamos, a água bebível, só ela, na sua essência própria de dois átomos de hidrogénio ligados a um de oxigénio com minerais dissolvidos, tem, a meu ver, e mesmo estando a ela aliada, uma única bebida que merece o distinto título de “competidor”, no que ao consumo mundial de ambos concerne: o chá.

O chá é, naturalmente, uma bebida feita com água. No entanto, é imperativa a atenção que devemos dar à água com a qual infundimos os chás. Poucos valorizam este pormenor, aparentemente improfícuo, poderão pensar. Mas, a verdade, é que este pequeno segredo, que pode estar na origem da diferença entre um chá exageradamente adstringente, desagradável ou até tenesmódico e um chá de excelência, aveludado e com os seus matizes característicos em evidência e em pleno equilíbrio, já consta do conhecimento humano desde há cerca de quatro mil anos. À semelhança de algumas descobertas científicas, e que fantástica que foram, a primeira prova de chá de que há registo foi, eureka – atrevo-me a dizer –, um acaso, não de Arquimedes, mas de um Imperador chinês. Mas, como não há regra que não essa mesma, segundo o poético ideal de Galopim de Carvalho, geólogo e apaixonado, à minha semelhança, por História Natural, os odisseicos contos dos chás tiveram, de facto, uma origem absolutamente imprevista. E imprevistas são, também, possivelmente para alguns dos meus caros leitores, as diferenças entre chás e tisanas. O passado do chá nas primeiras civilizações que o moldaram como bebida será tão entusiasmante como as provas irrefutáveis que contam o poder volúvel do chá sobre o mundo humano, desde a antiguidade à Era tecnológica na qual vivemos. 

Mas, afinal, qual a diferença entre um chá preto e uma tisana de camomila, por exemplo? E qual a relevância dessa explicação, ou, até mesmo, de qualquer outro facto sobre esses botânicos “fervidos”? Talvez pelos imaginativos contos que lhes estão intrínsecos e os elevam, em certas circunstâncias, acima da figura humana. Talvez pelas suas quase milagrosas propriedades medicinais. Talvez porque, tal como acontece com os químicos farmacológicos, seja prudente conhecer a ciência que se-lhes está velada. Ou talvez, numa perspectiva figadal, porque nada nos consegue reconfortar melhor do que uma xícara de chá, ou uma caneca, para os apreciadores das noites frias, na varanda ou no jardim, onde podem contemplar, com uma manta às costas, o vapor a sair pela boca e pelo nariz, com a segurança de que têm sempre algo quente para abraçar com as mãos.

Os chás e outras infusões são a cura e a prevenção para diversas doenças, são o perfeito acompanhamento de uma estância festiva, assim como a companhia para quando não se tem mais ninguém. Permitem-nos momentos de reflexão profunda, e tanto nos podem energizar, com propriedades antidepressivas e revigorantes, para um dia que a isso nos exija, como também têm poderes antibióticos, anticancerígenas e relaxantes.

O universo das plantas medicinais, onde está incluída a planta do chá, parece-me interminável. As suas resiliência e complexidade, ditadas pela biologia que lhes está intrínseca e pela geologia que as molda e diversifica, extasiam, permitam-me o juízo de valor, o mais desinteressado, pois, numa visão talvez mais lírica, estes incríveis seres fotossintéticos troçam de tal forma do real, exprimindo-se nas suas incríveis capacidades curativas, que mais parecem ter surgido de um conto de magia, reinado por caldeirões vaporosos, tubos de ensaio com soluções multicolores, estufas envidraçadas, suportadas por cobres esverdeados e contorcidos, cheias de plantas de todas as formas e feitios e druidas e druidisas, farfalhando as longas barbas e atirando grãos de pólen refulgentes para o ar, saltitando loucos e colhendo as jóias botânicas para poções.

Declaro! É tal a influência das plantas medicinais em nós, ou pelo menos em mim, que conseguem acordar a nossa faceta imaginativa, que, infelizmente, parece adormecer a partir de certa idade, e fazer-nos viajar até locais que só elas conhecem. Surge, por isso, a rubrica Contos de Prach’a, onde, aqui, neste blogue que é de todos, publicarei, a partir de hoje e semanalmente, ou quando me for possível, um “conto” sobre chás e outras plantas “mágicas” para quem quiser ler. Constará desta aventura literária, que será escrita num registo bastante pessoal, aquilo que eu sei e aquilo que vou aprendendo sobre o tema, desde a origem do chá, passando às regras de uma boa infusão, até diversas curiosidades sobre outras plantas, incluindo a famosa cidreira e o menos vulgar ginseng.

Por ter um particular interesse por pequenas histórias e contos, decidi que esta minha rubrica deveria chamar-se Contos de Prach’a, pois, para mim, tudo na vida é um conto, mesmo que ainda não tenha acontecido, e o termo prach’a resulta da fusão de duas palavras diferentes, praxis e ch’a, onde a primeira, de origem latina, significa a prática de algo, e a última, palavra chinesa do dialecto mandarino, chá.


Com uma dualidade inabalável de curiosidade e expectativa, é minha maior regalia convidar todos os leitores interessados a fazerem parte destes Contos de Prach’a, para se envolverem na arte de trabalhar as plantas medicinais de forma correcta e apaixonada, com as devidas pompa e circunstância, partilharem as suas experiências pessoais e acrescentarem, ao meu pouco saber, mais e mais da indispensável ciência do conhecimento.


- À medida que os Contos de Prach'a vão sendo publicados, surgirá um link para cada um com o respectivo título, ao estilo de índice, aqui, nesta página, abaixo deste texto, discriminado a verde.


2 comentários:

  1. Olá AMIGO Pedro!
    Tanto tempo longe, mas sempre no coração!
    Mais uma das suas ideias maravilhosas.
    Estou com o tempo mais que ocupado... mas não, esta não vou perder de forma nenhuma!
    Obrigada!
    Muitos sucessos, as maiores felicidades e muitos, muitos beijinhos
    Hermínia Nadais

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  2. Querida Amiga,
    A Hermínia é o máximo! Muito obrigado.
    Beijinhos com saudade.

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